Romance Asfixia

Asfixia

No romance Asfixia - o pensamento é tratado como a maior angústia do homem.

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Romance Soslaio

Soslaio

"As mais incríveis criações do homem, intrigantemente são aquelas ligadas ao campo da inexistência. Impossível combater aquilo que não existe, pois como provar que um coisa que não existe, não existe!"

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Romance Tempestade

Tempestade

"Para o homem que deseja ter uma mulher confiável ao seu lado, só lhe resta uma maneira para ter a certeza que de fato a encontrou; desrespeitando-a!"

Não fique imaginando coisas! Para saber exatamente o que aconteceu com o protagonista e o que o fez pensar assim, você terá que ler o início do romance no arquivo.

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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Rescaldo


A Família
 

 

"Sua esposa faleceu!"

Uma voz desconhecida informou através do telefone, Clemente ouviu essa frase em total estado de reclusão, indiferente aos próprios sentimentos.

"Silêncio!", disse o homem do outro lado da linha, quase num grito, como num sussurro áspero. Disse assim para as pessoas em sua sala conversando aos risos histéricos, Clemente mal pode compreender o que está acontecendo. Ao tapar o telefone com a mão, o homem se controlou para não ter que gritar, ele aglutinou a voz na expectativa de não ser ouvido por Clemente, que não está prestando a devida atenção. Desconcertado com a situação, o homem sequer conseguiu se desculpar, apenas repetiu o que já havia dito.

"Senhor... sua esposa faleceu!", a frase cambaleante, advinda do interior de um pesadelo eletrônico, soou múltipla de sentidos, após um breve instante de silêncio, a linha caiu.

Até a poucos instantes, Clemente dormia acordado enquanto caminha sem rumo aparente, sentiu-se como se tivesse acabado de despertar de um pesadelo estranho, de um sonho diferente do que considera ser o normal de um sonho qualquer.

"Sua esposa faleceu!", pensou ao perceber que ouviu a frase antes mesmo de o telefone tocar. A frase havia reverberado no pensamento de Clemente através de uma voz distante e persistente, como uma lembrança submersa de um pesadelo a antecipar o inevitável; de que sua esposa é uma paciente em estado terminal.

 

"De tanto pensar nisso, uma hora acabo acertando! Será que é assim que acontece com quem acredita e persiste com suas crendices! Sem perceber, de tanto pensar em determinado assunto, uma hora a pessoa acaba mesmo acertando! Depois, sai dizendo por aí que foi uma premonição. Pura besteira! Tudo não passa de energia; como se uma imagem, ou melhor, uma energia da própria imagem, pudesse se antecipar ao fato, e chegar antes da própria ideia, antes mesmo da sua materialização. Nada mais! Simples! Porque a pessoa se conecta a uma determinada ideia, e a coisa acaba por acontecer. Principalmente no caso como o de Ângela, é muito certa a probabilidade de se concretizar... em virtude do seu estado de saúde. As chances de eu receber uma ligação com alguém me dizendo o óbvio...!"

"Assim... droga! Numa hora dessas, eu acabo mesmo acertando! É! É isso mesmo! Foi o que eu havia pensado! Agora..."

 

Clemente permaneceu caminhando em silêncio, até que tudo voltou a acontecer.

 

"Sua esposa faleceu!", desta vez Clemente até imaginou o rosto de uma pessoa jovem com uma voz esganiçada, porém, contraditoriamente serena e tranquila, desconhecida e distante.

 

"Uma pessoa cuja profissão é a de informar sem rodeios sobre a morte, por muitas e muitas vezes seguidas, por vários dias e meses de sua vida, com essas mesmas palavras secas, com as quais acabo de imaginar. 'Sua esposa faleceu!'"

"A loucura está apenas em acreditar por acreditar, em acreditar nos achismos! Duvido sempre de qualquer coisa da qual eu necessite acreditar!"

 

Agora, cada vez mais distraído, Clemente continua despretensioso em sua caminhada, a pensar na vida, enquanto permanece lento sob um sol forte, dia de calor exagerado, as ideias efervescentes transbordam. Ele se deixa levar pela vida, ao ouvir no vazio incontrolável das horas, palavras ásperas proferidas ao vento, advindas de um pensamento repetitivo, recidivo, incômodo; um ser distante em si mesmo. Já não sabe mais dizer se de fato a ligação aconteceu, ou se ele continua apenas imaginando que aconteceu; como numa preparação para o inevitável. Clemente percebe que seu comportamento está sendo direcionado para uma realidade perversa, inevitável.

Esse pensamento criou uma situação ideal para que seu corpo reaja nesse instante como um ser indômito, calafrios perpassam por sua espinha, percorrendo todo o corpo como em uma descarga elétrica agonizante. Clemente acredita em sua plena consciência, certo de que o pensamento transforma-se em pura energia. Mesmo se sentindo incapaz de controlar as próprias ideias, beirando solenemente a um estado quase de insanidade, ele sorri.

O celular toca.

"Alô!"

"Sr. Clemente?"

"Sim!", com o coração disparado, ele apenas aguarda a confirmação da indigesta notícia.

"Senhor! A ligação caiu! O senhor entendeu o que eu havia dito? Sua esposa faleceu!"

"Sim! Entendi perfeitamente! Gostaria que fosse coisa da minha imaginação, mas não...!"

Nesse instante uma vida de abnegação ao casamento acaba de se encerrar; tanto quanto uma nova vida, emergindo instantânea e incerta, se faz presente.

Através do celular, essa voz desconhecida transmitiu uma notícia indigesta, como se desejasse jamais ter que dizer a alguém esse tipo de coisa, por isso mesmo transpareceu apenas que estava tentando fazer com que tudo acabasse o quanto antes, como a dizer que nada mais pode ser feito. Fato! Em sua natural e aparente sabedoria de homem simples, quanto a sua impotência diante da morte, o homem ficou em silêncio.

O desconhecido tentou assim, fazer com que tudo não passe de palavras genéricas, sem destino, uma frágil ponte entre dois córregos que deságuam sem identidade, ideias perdidas. Sua voz exorcizou aos sussurros a necessidade de repetição frente à péssima qualidade de sinal da ligação.

 

"Como se não bastasse, ainda tenho que repetir esse terrível acontecimento!", pensou o desconhecido rapaz em seu angustiante sussurro, ininteligível para Clemente, que ficou paralisado.

 

"Um agente funerário entrará em contato com o senhor para resolver como serão os procedimentos."

Sem ter nada a dizer, Clemente desligou o telefone em absoluto espasmo.

Uma alegria sufocante comprometeu sua estabilidade emocional. São tantas as coisas envolvidas nessa notícia, são tantos os sentimentos misturados no seu coração, que ele permaneceu estático, sem saber ao certo se deve sorrir ou chorar. Para sua antiga estrada, não há mais chão e nem companhia, restou-lhe o fim de uma antiga vida que lhe parecia indestrutível, mas que agora diante do nascimento de um novo tempo, repleto de novas possibilidades, como antes já lhe havia acontecido (de quando ainda era um adolescente), a roda vida onde tudo se mostra tão frágil quanto indefectível; um novo rumo.

 

"Não há nada a ser feito! Nada está comprovado diante do que é a morte! A antiga estrada acaba de se perder para sempre! Esse é o fato!", pensou Clemente.

 

"Mesmo na minha morte, eu estou certo de que não reencontrarei Ângela, nem assim, e de nenhuma outra maneira! Nada permanece após a morte!", esse pensamento, de certa forma, deixou-o aliviado. "Ângela não existe mais, senão em meu coração! Na minha memória as coisas da antiga estrada agora são apenas vestígios! Minhas lembranças morrerão comigo!"