Romance Asfixia

Asfixia

No romance Asfixia - o pensamento é tratado como a maior angústia do homem.

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Romance Soslaio

Soslaio

"As mais incríveis criações do homem, intrigantemente são aquelas ligadas ao campo da inexistência. Impossível combater aquilo que não existe, pois como provar que um coisa que não existe, não existe!"

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Romance Tempestade

Tempestade

"Para o homem que deseja ter uma mulher confiável ao seu lado, só lhe resta uma maneira para ter a certeza que de fato a encontrou; desrespeitando-a!"

Não fique imaginando coisas! Para saber exatamente o que aconteceu com o protagonista e o que o fez pensar assim, você terá que ler o início do romance no arquivo.

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

NOVA FASE

            Encerrei, em maio de 2011, uma fase importante da minha carreira como escritor; eu encerro essa primeira fase, com a conclusão do meu quarto romance - Rescaldo. Ser um contador de histórias não é missão muito fácil, e, simplesmente ter o que contar; não se mostra ser o suficiente; é preciso possuir uma miríade de coisas das quais, muitas vezes, desconheço seu real significado e importância, e assim, continuo seguindo esse caminho, tão árduo quanto maravilhoso, onde o que me é revelado; mostra-se tão maravilhoso quanto o que ainda está no desconhecido.  

Com o primeiro romance Soslaio, eu percorri por ruas sinuosas e ameaçadoras; a memória e o tempo foram desfragmentados em seu sentido habitual, para o leitor, fica a vaga sensação de um tema que trata do imponderável, do inteligível, do inalcançável; como temas centrais do livro de uma história sem tempo. Em Tempestade, eu trato da loucura humana que busca encontrar a si mesmo através do outro, do ser humano na sua falta de auto-conhecimento, surgem assim, iniquidades imensuráveis e inatingíveis, a morte é apenas o início dessa imensidão da qual desconhecemos, que é, em si mesma, a própria maneira como vivemos, transferindo e sobrepondo nossos desejos e frustrações através da imagem de um outro ser. No romance Asfixia, facilmente se encontra o desespero do homem que acredita que é possível um mundo melhor, e que ao lançar-se nessa busca, perde-se totalmente dos seus valores, e num vazio de desesperança, diante daquilo que encontra no outro -- nada mais que um espelho de si mesmo -- está o desespero. Asfixia é o próprio pensamento, e o pensamento é, senão o inexistente, que persiste de maneira eloquente em passar de simples idéia, a uma pseudoconcretude, num mundo que não passa de irreal do solipsismo humano. Através da ação, o homem cria suas dissonâncias, recria o próprio mundo a sua imagem e semelhança; se o inferno é aqui, na Terra, o homem não passa de mero criador desse inferno, tanto quanto vítima de si mesmo. Rescaldo conclui essa fase obscura do pensamento e do incons ciente, escura e sombria as ambiguidades humanas; um pai que abandona os filhos em nome de uma ideia de que, o crescimento e o amadurecimento apenas existirão no desafio de encarar a própria existência, diante das próprias realidades a que todos estão envoltos com seus demônios, medos e crenças. Rescaldo é a própria circunferência da vida, o eterno retorno de Nietzsche, é a própria inutilidade dos esforços humanos relatado por Hemingway em O Sol Também se Levanta. Rescaldo se mostra importante, no quanto; deixar-se viver, é mais importante do que um simples entender dos fatos. Descartes que me desculpe, mas se eu 'penso, logo não existo!'. A vida não segue no pensamento, segue na ação, independente do que o homem acredita ou deseja, a vida acontece na matéria, onde tudo de fato se realiza; a vida não é pensamento. Mas infelizmente é no pensamento que o homem inicia a pratica do mal em nome da verdade, onde mata em nome de Deus, fere em nome da justiça, proibi a fim de obter controle, permiti a fim de envaidecer-se.

Disfunção do tempo, distopia do pensamento, o inexistente e a ação, as relações entre um pai e seus filhos, a incompreensão do silêncio, as competições entre os seres, a conquista do bem através do mal, a figura distante de Deus, o homem que quer ser Deus, a mulher como propriedade do homem, o círculo vicioso da vida, o eterno retorno, a vida numa visão periférica, a falta de auto-conhecimento dos homens; tantas coisas relatadas em tão pouco tempo, isso tudo me faz pensar que, se continuo a escrever, o faço a fim de ficar distante, impessoal, mas ao fazê-lo, tudo o que consigo é um pouco mais de proximidade, de conhecimento do que de fato penso que sou; e isso não mais me assusta, mas... o que fazer com tudo isso? Desnecessário pensar; é óbvio, mas ainda assim, tento obter uma resposta. A vida se faz ur gente, pulsa independente dos nossos valores de sentido, das nossas atribuições; a vida segue... soberana!


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Rescaldo


A Família
 

 

"Sua esposa faleceu!"

Uma voz desconhecida informou através do telefone, Clemente ouviu essa frase em total estado de reclusão, indiferente aos próprios sentimentos.

"Silêncio!", disse o homem do outro lado da linha, quase num grito, como num sussurro áspero. Disse assim para as pessoas em sua sala conversando aos risos histéricos, Clemente mal pode compreender o que está acontecendo. Ao tapar o telefone com a mão, o homem se controlou para não ter que gritar, ele aglutinou a voz na expectativa de não ser ouvido por Clemente, que não está prestando a devida atenção. Desconcertado com a situação, o homem sequer conseguiu se desculpar, apenas repetiu o que já havia dito.

"Senhor... sua esposa faleceu!", a frase cambaleante, advinda do interior de um pesadelo eletrônico, soou múltipla de sentidos, após um breve instante de silêncio, a linha caiu.

Até a poucos instantes, Clemente dormia acordado enquanto caminha sem rumo aparente, sentiu-se como se tivesse acabado de despertar de um pesadelo estranho, de um sonho diferente do que considera ser o normal de um sonho qualquer.

"Sua esposa faleceu!", pensou ao perceber que ouviu a frase antes mesmo de o telefone tocar. A frase havia reverberado no pensamento de Clemente através de uma voz distante e persistente, como uma lembrança submersa de um pesadelo a antecipar o inevitável; de que sua esposa é uma paciente em estado terminal.

 

"De tanto pensar nisso, uma hora acabo acertando! Será que é assim que acontece com quem acredita e persiste com suas crendices! Sem perceber, de tanto pensar em determinado assunto, uma hora a pessoa acaba mesmo acertando! Depois, sai dizendo por aí que foi uma premonição. Pura besteira! Tudo não passa de energia; como se uma imagem, ou melhor, uma energia da própria imagem, pudesse se antecipar ao fato, e chegar antes da própria ideia, antes mesmo da sua materialização. Nada mais! Simples! Porque a pessoa se conecta a uma determinada ideia, e a coisa acaba por acontecer. Principalmente no caso como o de Ângela, é muito certa a probabilidade de se concretizar... em virtude do seu estado de saúde. As chances de eu receber uma ligação com alguém me dizendo o óbvio...!"

"Assim... droga! Numa hora dessas, eu acabo mesmo acertando! É! É isso mesmo! Foi o que eu havia pensado! Agora..."

 

Clemente permaneceu caminhando em silêncio, até que tudo voltou a acontecer.

 

"Sua esposa faleceu!", desta vez Clemente até imaginou o rosto de uma pessoa jovem com uma voz esganiçada, porém, contraditoriamente serena e tranquila, desconhecida e distante.

 

"Uma pessoa cuja profissão é a de informar sem rodeios sobre a morte, por muitas e muitas vezes seguidas, por vários dias e meses de sua vida, com essas mesmas palavras secas, com as quais acabo de imaginar. 'Sua esposa faleceu!'"

"A loucura está apenas em acreditar por acreditar, em acreditar nos achismos! Duvido sempre de qualquer coisa da qual eu necessite acreditar!"

 

Agora, cada vez mais distraído, Clemente continua despretensioso em sua caminhada, a pensar na vida, enquanto permanece lento sob um sol forte, dia de calor exagerado, as ideias efervescentes transbordam. Ele se deixa levar pela vida, ao ouvir no vazio incontrolável das horas, palavras ásperas proferidas ao vento, advindas de um pensamento repetitivo, recidivo, incômodo; um ser distante em si mesmo. Já não sabe mais dizer se de fato a ligação aconteceu, ou se ele continua apenas imaginando que aconteceu; como numa preparação para o inevitável. Clemente percebe que seu comportamento está sendo direcionado para uma realidade perversa, inevitável.

Esse pensamento criou uma situação ideal para que seu corpo reaja nesse instante como um ser indômito, calafrios perpassam por sua espinha, percorrendo todo o corpo como em uma descarga elétrica agonizante. Clemente acredita em sua plena consciência, certo de que o pensamento transforma-se em pura energia. Mesmo se sentindo incapaz de controlar as próprias ideias, beirando solenemente a um estado quase de insanidade, ele sorri.

O celular toca.

"Alô!"

"Sr. Clemente?"

"Sim!", com o coração disparado, ele apenas aguarda a confirmação da indigesta notícia.

"Senhor! A ligação caiu! O senhor entendeu o que eu havia dito? Sua esposa faleceu!"

"Sim! Entendi perfeitamente! Gostaria que fosse coisa da minha imaginação, mas não...!"

Nesse instante uma vida de abnegação ao casamento acaba de se encerrar; tanto quanto uma nova vida, emergindo instantânea e incerta, se faz presente.

Através do celular, essa voz desconhecida transmitiu uma notícia indigesta, como se desejasse jamais ter que dizer a alguém esse tipo de coisa, por isso mesmo transpareceu apenas que estava tentando fazer com que tudo acabasse o quanto antes, como a dizer que nada mais pode ser feito. Fato! Em sua natural e aparente sabedoria de homem simples, quanto a sua impotência diante da morte, o homem ficou em silêncio.

O desconhecido tentou assim, fazer com que tudo não passe de palavras genéricas, sem destino, uma frágil ponte entre dois córregos que deságuam sem identidade, ideias perdidas. Sua voz exorcizou aos sussurros a necessidade de repetição frente à péssima qualidade de sinal da ligação.

 

"Como se não bastasse, ainda tenho que repetir esse terrível acontecimento!", pensou o desconhecido rapaz em seu angustiante sussurro, ininteligível para Clemente, que ficou paralisado.

 

"Um agente funerário entrará em contato com o senhor para resolver como serão os procedimentos."

Sem ter nada a dizer, Clemente desligou o telefone em absoluto espasmo.

Uma alegria sufocante comprometeu sua estabilidade emocional. São tantas as coisas envolvidas nessa notícia, são tantos os sentimentos misturados no seu coração, que ele permaneceu estático, sem saber ao certo se deve sorrir ou chorar. Para sua antiga estrada, não há mais chão e nem companhia, restou-lhe o fim de uma antiga vida que lhe parecia indestrutível, mas que agora diante do nascimento de um novo tempo, repleto de novas possibilidades, como antes já lhe havia acontecido (de quando ainda era um adolescente), a roda vida onde tudo se mostra tão frágil quanto indefectível; um novo rumo.

 

"Não há nada a ser feito! Nada está comprovado diante do que é a morte! A antiga estrada acaba de se perder para sempre! Esse é o fato!", pensou Clemente.

 

"Mesmo na minha morte, eu estou certo de que não reencontrarei Ângela, nem assim, e de nenhuma outra maneira! Nada permanece após a morte!", esse pensamento, de certa forma, deixou-o aliviado. "Ângela não existe mais, senão em meu coração! Na minha memória as coisas da antiga estrada agora são apenas vestígios! Minhas lembranças morrerão comigo!"

domingo, 26 de setembro de 2010

Leia o Romance Soslaio na íntegra

Soslaio está dividido em quatro partes que você poderá baixar através dos links logo acima.
O romance poderá ser lido em qualquer ordem, porém, caso você deseje seguir uma ordem cronológica próxima do trivial (linear), aconselho que sua leitura ocorra da seguinte maneira:
- Um passado sem história
- Um presente sem razão
- Um tempo sem tempo
- Um futuro sem escolha

Lauro Iota é um artista plástico que vive na periferia da sua própria existência. Sem perceber suas dificuldades em concentrar-se nos seus objetivos, independentemente dos resultados efetivos, o protagonista circunda a própria vida como a navegar perdido num anacronismo sem rumo. Sua vida se confunde entre lembranças, sonhos, realidades, alucinações, fantasias e premonições insipientes, sem tempo e nem espaço, como a não possuir poderes sobre a própria existência, tanto quanto a não pertencer a ela, Lauro permanece sem 'rumo'. O leitor poderá compartilhar dessa experiência do protagonista ao transitar na história sem um tempo específico com acontecimentos do passado que se misturam com o futuro e o presente, entrelaçados num tempo suspenso, num tempo sem tempo.

Do autor
"Já faz algum tempo da minha desistência em fazer correções gramaticais em meus textos, sei que isso poderá transparecer certa incoerência, o que de fato o é, porém, o meu envolvimento com o texto se dá no campo da poesia, da sintaxe, da musicalidade e do ritmo, e assim, acabo sempre por me perder no encantamento da escrita, deixando questões técnicas de lado, o que não deixa de ser um absurdo. Por isso, ao leitor peço desculpas, mas o erro, de maneira muito especial, faz parte do meu contexto de vida."

Deixe seu comentário, indique a um amigo e boa leitura!

sábado, 5 de junho de 2010

G. Néscio

No restaurante

 

G.Néscio estava em seu quarto dia de treinamento na nova empresa. No primeiro dia saiu para almoçar em comboio com a nova turma, afinal ninguém conhecia muito bem a região e sair para almoçar sozinho iria parecer como descaso, o antipático. O problema é que a turma ficou viciada, por simples comodismo, em almoçar num pequeno restaurante a dois quarteirões do prédio, a comida fria servida em pratos de plástico o desagrada, e isso G.Néscio não pode mais tolerar. Para tanto, a fim de se livrar dessa infeliz empreitada, ele teria que se desgarrar da turma, o que certamente lhe causaria algum problema quanto a sua imagem individualista. Decidiu que algo deveria ser feito, e passou o restante da manhã sem prestar muita atenção a palestra, pensando em uma boa desculpa.

Assim que chegou o horário do almoço, a turma toda alvoroçada começou a sair da sala aos trancos e barrancos, todos com pensando somente no almoço sem prestar atenção em outras questões. G.Néscio ficou entre os últimos e avisou a um amigo que provavelmente não daria tempo de almoçar, pois teria que ir até o banco, e assim o fez caminhando em direção contrária ao grupo. Afoito para se manter em segredo, assim que virou o quarteirão, ele parou num ponto de táxi e perguntou sobre algum restaurante próximo e de boa qualidade, de preferência com comida servida direto da panela, bem quentinha.

Andou mais dois quarteirões e encontrou o simpático botequinho de nome ínfimo: Bom Sabor. Adentrou ao lugar tranqüilamente, feliz por perceber que enfim poderá apreciar uma boa comida. Puxou uma cadeira e se sentou a observar as pessoas. Rapidamente foi atendido e pediu um comercial com salada. Não demorou muito tempo e a comida chegou a sua mesa esfumaçando. Começou a comer a salada distraidamente quando uma sensação quase indescritível tomou o seu corpo de assalto. G.Néscio teve a sensação de que sua percepção de mundo subitamente mudou de tamanho; a cadeira ficou pequena, a mesa diminuiu tanto que pensou que não haveria mais espaço para ele e a comida. As paredes do boteco começaram a se afastar, o som das pessoas conversando e dos carros passando na rua ficaram tão distantes que para ouvir algo ele apertava os olhos como se isso pudesse aumentar o tamanho dos ouvidos.  Ele estava zonzo, o cheiro da comida lhe escapou, sentiu sede, mas como não havia pedido nada para beber  e assim permaneceu inquieto e confuso. Não tinha como fazer nenhum pedido a garçonete, sua voz não saia. Os olhos lacrimejaram enquanto a fumaça da comida lhe invadia os pensamentos. Tentava respirar e mal conseguia. Tentava espirrar, mas a boca estava travada. Quando já estava pensando que seria o dia de sua morte e que assim não haveria mais nada a fazer, sentiu algo irritando suas narinas. Ao tentar coçar sentiu que algo pedia insistentemente para sair, então, sem nenhuma consciência sobre etiqueta, G.Néscio enfiou o dedo no nariz e tirou um filete de cenoura com o comprimento de um dedo a sair feito um verme hospedeiro, invasor.

Ao olhar para os lados percebeu que ninguém estava preocupado senão com a própria fome. G.Néscio respirou fundo pelo alívio concedido e começou a rir irrefreadamente, pensando "como algo tão inacreditável pode acontecer assim?". Sua voracidade houvera de ser tamanha que ao colocar na boca um punhado de salada, conseguiu o feito inédito de regurgitar a cenoura pela própria narina, sensação inigualável.

Após se recompor ele conteve o ímpeto e comeu pausadamente a comida que já não estava mais tão quente e nem tão saborosa. Assim que terminou de comer, a garçonete se aproximou para retirar o prato da mesa e lhe perguntou "O senhor aceita uma sobremesa? É cortesia da casa!".

"Aceito sim! O que a senhorita tem!"

"Bolo de cenoura!"

 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Crônica

O encontro

 

G.Néscio estava inquieto, deitou-se no sofá da sala. Pensou num filme para passar o tempo e pegou qualquer um na sua estante. Tentou concentrar-se nas cenas, mas já era uma e trinta da tarde, e como havia dormido pouco na noite anterior, ficou 'pescando' à frente da tevê. Sem comer a mais de quatorze horas, levantou-se assustando pensando em comer qualquer coisa. Abriu a geladeira e lentamente a vasculhou. Na porta havia um único ovo e um pote com um restinho de geléia de damasco, então os colocou por sobre a mesa logo ao lado da geladeira. Mais ao fundo pegou um pedaço de lingüiça calabresa; no armário encontrou um pedaço de pão de mel. Numa panela, por sobre o fogão, pegou um resto de feijão.  Na fruteira encontrou metade de uma maça, ainda possível de ser aproveitada. Jogou tudo no liquidificador junto com um suplemento alimentar que estava esquecido dentro do armário e bateu com um pouco de leite até ficar consistente. Ligou o fogão, untou uma frigideira e colocou tudo para fritar. Comeu com apetite voraz sem saber definir o sabor.

Com as energias restabelecidas, começou a pensar na garota que havia conhecido há apenas dois dias, e concluiu que ali se encontrava o motivo de não ter descansado. G.Néscio a encontrou casualmente numa loja de cd's do shopping próximo ao seu apartamento. Ela despertou sua atenção quando tentava encontrar algum trabalho da Elizete Barroso e de um outro cantor chamado Batatinha, "se não me engano", pensou. As músicas eram da época da avó da garota que não tinha mais que vinte anos. Na loja, ele olhou várias vezes para ela enquanto ouvia aquela música melancólica, e assim que pode disparou um sorriso como se estivesse curtindo a música e a maneira impostada da cantora. Como se houvera encontrado uma mosca branca, ela retribui o sorriso, e então ele aproveitou para puxar assunto.

A garota perguntou a ele se conhecia aquelas músicas, ele respondeu que sim, completando que jamais soubera os nomes dos cantores. A conversa começou a fluir quando o assunto chegou ao ponto em que ele dominava, e comentou então sobre a história de um cantor já falecido que havia feito uma cirurgia plástica no nariz colocando enxertos de carne da bunda. "A música era boa, mas o nariz dele...!" O clima estava leve, e enfim, após algumas horas de um bom papo numa mesa de bar, G.Néscio convidou a garota para ir até o seu apartamento onde dizia possuir vários trabalhos em vinil de bons cantores das décadas de trinta e quarenta. Reforçou dizendo que ouvir aqueles trabalhos no bolachão causava uma sensação incomparável.

Seu jeito tranqüilo de falar deixou a garota confiante de que não corria perigo, mesmo por que ambos já estavam bem alterados pelo álcool. Ela entrou timidamente no apartamento com uma fala mansa. "Tudo muito maravilhoso!", pensou. Pediu a ela para que tirasse os sapatos, enquanto fazia o mesmo; sua intenção era de deixá-la com a sensação de que algo já havia iniciado. Ofereceu a ela uma bebida, que aceitou de pronto.

Lembrou-se exatamente do momento em que se beijaram. Não demorou muito já estavam nus no sofá, assim mesmo sem muita demora e nenhuma frescura. Tentou lembrar-se de detalhes mais sórdidos, mas sua memória falhou. Ficaram trancados no apartamento comendo, dormindo e transando por um dia e meio, regados somente à cerveja. Antes de ir embora ela confessou que apenas conhecia os nomes dos primeiros cantores, e aqueles que citou depois, apenas inventou para saber como ele iria reagir. G.Néscio ficou sem saber o nome da garota e como iria fazer para sair com ela novamente. Pensou que jamais encontrará mulher igual, insaciável. Tudo perfeito, exceto que pelo fato de não conseguir ficar sentado.

 

 

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Asfixia

 

"Ouço minha respiração lenta e profunda antes de abrir os olhos. O ar passando pelas narinas com certa dificuldade, provocando um leve assovio até chegar aos pulmões. Intenso, teso, tenso; é certo. O silêncio me sufoca os pensamentos; no expirar, o ar provocando um som estranho, desavenho penoso. Volto a fechar os olhos e tento controlar a respiração a fim de entender o quê está de fato acontecendo; sem sucesso. Não me lembro de nada! Volto a abrir os olhos. Provável ter adormecido de mau jeito, de uma maneira que não posso sequer tentar explicar, pois, como seria possível explicar o desconhecido? Dormir, assim, incorrigível abandono? Largado? Por certo que fiquei bastante tempo sentado a essa cadeira que, aliás, provou-se muito de inenarrável conforto, mas de uso improvável. Ambíguo. O cansaço indecor oso. Devo ter acordado ao ouvir meu próprio ronco? Acredito que sim, é isso! Devo ter ouvido minha respiração um pouco antes, ainda dormindo, numa sensação de alívio súbito por poder voltar à consciência! Sim! Foi isso! Recordo-me real, ronco acompanhado de uma respiração profunda, conforto alienante. Mas do quê isso importa? Permaneço por não saber onde estou! Ao olhar a minha volta não consigo identificar o lugar. Permaneço assustado. Talvez nem tanto! O subconsciente não costuma nos permite saber o quanto estamos assustados! Paredes de vidro me separam de outros ambientes, salas vazias, lugar frio, sub-reptício. Pequenos televisores de monitoramento cercam-me. Sinto-me atado, apesar de estar com os braços livres. Sentado à cadeira, consigo ligar os botões de um centro de monitoramento na mesa a minha frente; o que vejo são imagens das mesmas salas vazias. Logo adiante as vejo direta, mas agora, com as suas luzes acessas, posso vê-las, imó veis admoestadoras. Monitores oculares. Vídeos inócuos. Insipientes. Reconheço-me ao fundo de um desses monitores. Tela viva. Vejo um espelho a minha esquerda. Aproximo-me e percebo indícios de que eu tenha dormido por muito mais tempo do que imaginara. No meu rosto, sagazes marcas. Provável ter adormecido por sobre o meu braço direito, que dormente, reluta em voltar ao normal. Rescaldo. Os sulcos grossos da blusa de lã ficaram fincados na pele, uma leve dor de cabeça lenta surge, e começa a me atordoar o raciocínio. Teso. Lento. Sentado a uma cadeira num lugar estranho, decompondo. Contraditório. Estro. Um sofá logo atrás de mim com aparência de novo, porém leve empoeirado, possível ato realizado pela falta de uso. Sustento pendido indagado refluxo imaginário. Tudo a minha volta parece um pouco abandonado. Essa exposição ao tempo, apesar do lugar parecer hermética inacessível, insuficiente para preservar coisa alguma. Apesar de a sala estar pr� �tica vazia, não é possível perceber nenhuma reverberação através do som seco da minha voz, inflexo regorjeio."

-- Ah! Ah!

"Árido. Descarnado. Sequioso oxigênio. As imagens externas me mostram um lugar bucólico, apesar de tanto concreto, ferro e vidro por salas sisudas, vida mórbida vida. Após esse silêncio, não resisto. Sem me levantar, empurro a cadeira repleta de pequenas rodinhas, movimento do abandono de si mesmo. Aproximo-me de uma das paredes recobertas por pedra e madeira."

-- Ah! Ah!

"Obtuso. Coloco as mãos na boca como a formar uma espécie de concha sonora por volta dos lábios. Os gritos reproduzem um som ainda mais seco. Anti-sala. Sub-medo. Nenhuma reverberação aparente. O lugar real parece ter ficado muito exposto ao tempo dos dias e das horas ácidas. Nada diferente de qualquer lugar repleto de prédios num simulacro de ar puído. Fruição. A poeira fina espalhada pelos poucos móveis demonstra que pouco ficou ao relento, mas ainda assim, o tempo dá a suas cartas, leva com o vento inebriado através das fendas, a vida. Pequenos fragmentos desses dias crassos, águas tortas de uma pseudochuva. Cadafalso."

            "O oxigênio; riste do tempo, inexorável."

"Uma mosca quebra o silêncio ao passar de um lado para o outro, vôo rasante próximo aos meus ouvidos, se fez notar zombeteira."

"Deve ter entrado nessa sala ao mesmo instante que entrei?"

"Súbita dei-me conta de não saber sequer como entrei. Onde estou? Provável essa mosca permaneceu aqui dentro pelo o mesmo tempo que eu! As mesmas horas! Os mesmos minutos! Utilizando-se desse mesmo ar desgastado. Molagem. Lúbrico. Palavras sem importância."

-- Ah! Ah!

"Nova percebo a ausência de reverberação, alitero."

"Na mente, qualquer coisa se faz presente, ao perceber a ausência do inexistente."

 "Riso ácido!"

"Que lugar seria esse? Nenhum sinal de vida? Sinto-me como se houvesse alimento de mim mesmo."

"Mal dizer do óxido triunfante!"

"Ouço passos no corredor. Atento. Eletrizado. Parado. Contraditório. Petrificado. Perplexo. Estarrecido."

"Nem imagino os motivos de estar aqui. Agora, quem caminha lenta em minha direção? Permaneço consciente de que não estou amarrado, ainda assim sinto-me preso, permaneço imóvel."

"Agora, que não estou mais sozinho, é que não me levanto mesmo! Permaneço calado. Sequioso. Sequer tenho coragem fazer alguma pergunta. Tentar espichar o pescoço para ver quem lenta se aproxima, nem quero. Tento não aparentar desespero. Inútil. Em silêncio, meu corpo vivo; treme, grita. Respira."

"Respirar... é o caminho da queda."

 

Riso sarcástico.

 

-- Não se preocupe! Nesse mundo... tudo oxida! -- uma voz rouca chega antes de o corpo se apresentar à frente de Você.

 

 

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Este é o mais novo romance de Rogério Zaos, em processo de criação. O personagem principal é Você. Isso mesmo! O leitor assume o papel de protagonista, e como habitualmente acontece com qualquer leitor, desconhece por onde e para onde serão engendrados os acontecimentos. Nada muito diferente da nossa realidade de simples mortais, pois nunca sabemos do dia de amanhã, do minuto seguinte. Nesse romance, Você acorda sem saber quem é? Sem saber onde está? Você terá a oportunidade de descobrir a si mesmo, mas será que isso é realmente possível?

 

 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Crônica

            A Pochete

 

            G. Néscio sempre foi uma pessoa muita avoada. Na escola, quando criança, vivia perdendo canetas, lapiseiras, cadernos; um dia chegou a esquecer em algum lugar do colégio o par de tênis; nesse dia voltou para casa descalço.

            Na empresa em que trabalha, uma grande revista de moda da capital paulista, G. Néscio perdeu o seu computador portátil. Deixou o aparelho numa pequena pasta encima de uma mesa, depois de uma reunião com formadores de opinião do mundo da moda. Junto com o computador estava um aparelho celular último lançamento e uma foto de grande valor sentimental da sua infância. Cansado de perder coisas importantes, decidiu que estava na hora de fazer alguma coisa.  

Depois de várias tentativas de mudança do seu comportamento, com ações preventivas utilizando bolsas, mochilas, pastas, maletas e outras coisas mais, G. Néscio enfim, encontrou, mesmo que a contra-gosto, um jeito eficaz de transportar seus pequenos pertences e documentos; uma execrável, horripilante, impronunciável; pochete. A utilização desse acessório, de acordo com especialistas do mundo da moda, enquadra-se no inafiançável crime hediondo do 'fora da casinha'. A história toda causou muito boato na revista, mas com o tempo as pessoas acabaram por se acostumar.

Feliz e autoconfiante com sua decisão, G. Néscio pode enfim relaxar, dispondo de mais tempo para cuidar de coisas que considerava mais importante. Sua vida mudou de fato, e começou a sair com muitas mulheres, "mulheres firmes e resolvidas que não negavam fogo", ele acredita. Freqüentando a loja de bolsas e pochetes, ficou íntimo da vendedora, e assim, começou um namoro, desde então a garota não mais saiu da sua companhia. Foram três anos de pura alegria alienada, desconcertante felicidade de um relacionamento como outro qualquer. G. Néscio jamais voltou a perder seus pertences, absolutamente nada. Tudo estava sob o seu controle, exceto a voragem animalesca da sua namorada, que consumia os seus pensamentos e tudo mais; a garota o deixou viciado na felação constante, ponto mais elevado desse relacionamento. A cada encontr o não dispunham de outro recurso de idéia; quando juntos, raramente conversavam.

Numa manhã de domingo, ela voltava da padaria, quando com a mais digna vontade de agradá-lo, comprou na banca da esquina uma revista de moda que estava escrito; "O uso da pochete!". Assim que chegou ao apartamento, ele ainda estava dormindo, ela começou a folhear a revista, ficou indignada frente às criticas quanto ao uso do acessório; "a mais pura aberração", "a maior prova da cafonice humana", "desclassificável e deselegante".

Aturdida pelas palavras ásperas, ela se perguntava como pode por tanto tempo sair com um homem que se enquadrava nesses crimes. Ao acordar, ele gritou o nome da namorada, e ficou sem resposta. Levantou-se, e enquanto tentava entender o que poderia ter acontecido, pegou a revista no chão, e leu a matéria de capa. "Que se dane!", rosnou. Após quinze minutos, a namorada entrou no apartamento com lágrimas nos olhos, pegou a revista e perguntou em tom de novela mexicana; "Você sabia disso!". "Que se dane!", ele enfatizou. "Pois bem! Ou você para de usar esse troço, ou nunca mais saio com você!", gritou a mulher. "Que se dane!", falou em tom manso e lento para enfatizar o seu descaso.  

Depois de quatro meses, ele ficou sabendo que ela já estava com outro cara, isso só aumentou sua tristeza. Nesse dia, caminhou pela cidade deprimido e bêbado, parou em vários lugares, sem nada dizer a ninguém. Sentou-se no banco de uma praça, encostou a cabeça num canto qualquer e caiu no sono. Levantou-se na manhã do dia seguinte com a cabeça estourando, caminhou lentamente até chegar ao apartamento. Sentou-se no sofá e riu desenfreadamente ao perceber que, enfim, perdera a pochete. 

 

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            Asfixia

 

"Ouço minha respiração lenta e profunda antes de abrir os olhos. O ar passando pelas narinas com certa dificuldade, provocando um leve assovio até chegar aos pulmões. Intenso, teso, tenso; é certo. O silêncio me sufoca os pensamentos; no expirar, o ar provocando um som estranho, desavenho penoso. Volto a fechar os olhos e tento controlar a respiração a fim de entender o quê está de fato acontecendo; sem sucesso. Não me lembro de nada! Volto a abrir os olhos. Provável ter adormecido de mau jeito, de uma maneira que não posso sequer tentar explicar, pois, como seria possível explicar o desconhecido? Dormir, assim, incorrigível abandono? Largado? Por certo que fiquei bastante tempo sentado a essa cadeira que, aliás, provou-se muito de inenarrável conforto, mas de uso improvável. Ambíguo. O cansaço indecoroso. Devo ter acordado ao ouvir meu próprio ronco? Acredito que sim, é isso! Devo ter ouvido minha respiração um pouco antes, ainda dormindo, numa sensação de alívio súbito por poder voltar à consciência! Sim! Foi isso! Recordo-me real, ronco acompanhado de uma respiração profunda, conforto alienante. Mas do quê isso importa? Permaneço por não saber onde estou! Ao olhar a minha volta não consigo identificar o lugar. Permaneço assustado. Talvez, nem tanto! O subconsciente não costuma nos permitir muita coisa, saber o quanto estamos assustados?! Paredes de vidro me separam de outros ambientes, salas vazias, lugar frio, sub-reptício. Pequenos televisores de monitoramento cercam-me. Sinto-me atado, apesar de estar com os braços livres. Sentado à cadeira, consigo ligar os botões de um centro de monitoramento na mesa a minha frente; o que vejo são imagens das mesmas salas vazias. Logo adiante as vejo direta, mas agora, com as suas luzes acessas, posso vê-las, imóveis admoestadoras. Monitores oculares. Vídeos inócuos. Insipientes. Reconheço-me ao fundo de um desses monitores. Tela viva. Vejo um espelho a minha esquerda. Aproximo-me e percebo indícios de que eu tenha dormido por muito mais tempo do que imaginei. No meu rosto, sagazes marcas. Provável eu caí no sono por sobre o meu braço direito, adormecido, reluta em voltar ao normal. Rescaldo. Os sulcos grossos da blusa de lã ficaram fincados na pele, uma leve dor de cabeça lenta surge, e começa a me atordoar o raciocínio. Teso. Lento. Sentado a uma cadeira num lugar estranho, decompondo. Contraditório. Estro. Um sofá logo atrás de mim com aparência de novo, porém leve empoeirado, possível ato realizado pela falta de uso. Sustento pendido indagado refluxo imaginário. Tudo a minha volta parece um pouco abandonado. Essa exposição ao tempo, apesar do lugar parecer hermética inacessível, insuficiente para preservar coisa alguma. Apesar de a sala estar prática vazia, não é possível perceber nenhuma reverberação através do som seco da minha voz, inflexo regorjeio."

-- Ah! Ah!

"Árido. Descarnado. Sequioso oxigênio. As imagens externas me mostram um lugar bucólico, apesar de tanto concreto, ferro e vidro por salas sisudas, vida mórbida vida. Após esse silêncio, não resisto. Sem me levantar, empurro a cadeira repleta de pequenas rodinhas, movimento do abandono de si mesmo. Aproximo-me de uma das paredes recobertas por pedra e madeira."

-- Ah! Ah!

"Obtuso. Coloco as mãos na boca como a formar uma espécie de concha sonora por volta dos lábios. Os gritos reproduzem um som ainda mais seco. Anti-sala. Sub-medo. Nenhuma reverberação aparente. O lugar real parece ter ficado muito exposto ao tempo dos dias e das horas ácidas. Nada diferente de qualquer lugar repleto de prédios num simulacro de ar puído. Fruição. A poeira fina espalhada pelos poucos móveis demonstra que pouco ficou ao relento, mas ainda assim, o tempo dá a suas cartas, leva com o vento inebriado através das fendas, a vida. Pequenos fragmentos desses dias crassos, águas tortas de uma pseudochuva. Cadafalso."

            "O oxigênio; riste do tempo, inexorável."

"Uma mosca quebra o silêncio ao passar de um lado para outro, vôo rasante próximo aos meus ouvidos, se fez notar zombeteira."

"Deve ter entrado nessa sala ao mesmo instante que entrei?"

"Súbita dei-me conta de não saber sequer como entrei. Onde estou? Provável essa mosca permaneceu aqui dentro pelo o mesmo tempo que eu! As mesmas horas! Os mesmos minutos! Utilizando-se desse mesmo ar desgastado. Molagem. Lúbrico. Palavras sem importância."

-- Ah! Ah!

"Nova percebo a ausência de reverberação, alitero."

"Na mente, qualquer coisa se faz presente, ao perceber a ausência do inexistente."

 "Ácido!"

"Que lugar seria esse? Nenhum sinal de vida? Sinto-me como se houvesse alimento de mim mesmo."

"Mal dizer do óxido triunfante!"

"Ouço passos no corredor. Atento. Eletrizado. Parado. Contraditório. Petrificado. Perplexo. Estarrecido."

"Nem imagino os motivos de estar aqui. Agora, quem caminha lenta em minha direção? Permaneço consciente de que não estou amarrado, ainda assim sinto-me preso, permaneço imóvel."

"Agora, que não estou mais sozinho, é que não me levanto mesmo! Permaneço calado. Sequioso. Sequer tenho coragem de fazer alguma pergunta. Tentar espichar o pescoço para ver quem lenta se aproxima, não quero. Tento não aparentar desespero. Inútil. Em silêncio, meu corpo vivo; treme, grita. Respira."

"Respirar... é o caminho da queda."

 

Sarcástico.

 

-- Não se preocupe! Nesse mundo... tudo oxida! -- uma voz rouca chega antes de o corpo se apresentar à frente de Você.

 

 

_________________________________

 

 

Este é o mais novo romance de Rogério Zaos, determinado por sua polifonia, que está em processo de criação e estruturção das vozes. Repare que na primeira pessoa não existe a articulação dos advérbios, ocasionando um efeito interessante. O personagem principal é Você. Isso mesmo! O leitor assume o papel de protagonista, e como habitualmente acontece com qualquer leitor, desconhece por onde e para onde serão engendrados os acontecimentos. Nada muito diferente da nossa realidade de simples mortais, pois nunca sabemos do dia de amanhã, do minuto seguinte. Nesse romance, Você acorda sem saber quem é? Sem saber onde está? Você terá a oportunidade de descobrir a si mesmo, mas será que isso é realmente possível?

 

 

 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Crônica da semana

O Estacionamento

 

            G. Néscio procurou uma vaga para o seu carro em um estacionamen- to do bairro, desde que não fosse muito caro nem muito longe, e se possí- vel com portão automático. Estava morando num novo endereço há pouco mais de um mês, apartamento antigo, muito amplo e aconchegante, porém, sem garagem. Encontrou facilmente o estacionamento ideal na rua de trás, mas por não haver nenhuma vaga, entrou numa lista de espera. Passou, em decorrência disso, a fazer uma caminhada de quatro longos quarteirões to- dos os dias, sem contar com a inviabilidade da violência urbana colocada a prova, pois nas madrugas nenhuma alma viva poderia ser avistada nas proximidades, a não ser bêbados e prostitutas.

            G. Néscio seguiria assim até o momento oportuno; em dias de chuva, caminhava acompanhado de capa e guarda-chuva. "Nos dias de muito sol não há o que fazer!", reclamava um pouco aturdido com o calor e o barulho dos carros, desejoso de que haveria de melhorar o quanto antes, sua paciência nunca fora de bom tamanho e um estacionamento com o nome de "O Rei da vaga", não poderia ser levado a serio. 

            Enfim, o grande dia chegou, de todos os estacionamentos visitados, surgiu uma vaga naquele que mais o agradou; portão automático, vagas cobertas, local amplo para manobrar o carro, nada de aperto ou qualquer tipo de incômodo. "E o melhor! Com bom preço! Tirando as recomendações exageradas e intransigentes do proprietário... tudo bem!".

            Acertado os detalhes, tudo estava melhorando rapidamente; perto do apartamento, maior segurança, muitas pessoas nas ruas, afinal estava mais próximo da rodoviária e da estação de trem. Nos dias de chuva, tudo tranqüilo. A caminhada curta nos dias de sol, por entre ruas repletas de sombras das árvores e dos prédios, se mostrava agradável. Durante o dia ele esbarrava nas belas mulheres que trabalhavam ou eram clientes dos prédios comerciais e dos bancos ao redor, entrando e saindo do estacionamento com muita freqüência. Durante a noite, bem... durante a noite não havia muito que observar.

            Depois de três meses como mensalista integral do estacionamento, G. Néscio começou a perceber que o lugar, aparentemente tão perfeito, mostrava-se inconstante. Nesse período a rotatividade de mensalistas era muito superior ao que ele pode imaginar. "Nesse tipo de negócio é assim mesmo!", reclamou o proprietário numa conversa informal. 

            Após suas férias de final de ano, o proprietário ligou para ele informando que não recebera a última mensalidade, G. Néscio de pronto confirmou se desculpando pelo incômodo. "Deixarei por baixo da porta do seu escritório ainda hoje! Tudo bem?". O proprietário confirmou que sim, ele então aproveitou para pedir que o homem segurasse o cheque por mais dez dias, o que não foi possível. "Já está atrasado! Não posso segurar mais nenhum dia!", resmungou. "Não tem problema! Eu me viro!", completou um pouco sem jeito. Assim que desligou o telefone é que percebeu que havia esquecido de avisar ao proprietário que o cheque já estava preenchido e pré-datado, mas que poderia ser depositado de imediato, sem maiores problemas. "Qualquer coisa falo com o proprietário amanhã!".

            O telefone tocou na manhã do dia seguinte. "Eu não disse que não vou prorrogar o prazo! Vou depositar o cheque hoje! Sem falta!", gritava o proprietário palavrões e tudo mais, desligando o telefone em seguida. Ele tentou ligar na seqüência, mas o homem não atendia. Tentou por várias vezes e nada conseguiu. Dois dias seguidos tentando encontrá-lo para explicar tudo, e nada de encontrar o proprietário. Pensou em deixar recado, mas depois de refletir melhor, sentiu-se desrespeitado. "Deixa pra lá!", pensou inconformado.

            Na semana seguinte, voltou a deixar o carro no estacionamento "O Rei da vaga".

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Pirose

 

Esporte

           

No último dia vinte e cinco de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, aconteceu a final da Copa São Paulo de Futebol Juniores entre os times do Santos e São Paulo, final inédita para a competição. Após um ataque do time do Santos em que o jogador estava a caminho do gol, quando o goleiro do São Paulo o derrubou fora da grande área, era o último jogador do seu time na jogada, e conforme a regra, deveria ter sido expulso. Uma falta escandalosa, sem dúvida alguma digna de um cartão vermelho, pois não é o que juiz enxergou que a falta seria apenas para cartão amarelo, na incapacidade frente à velocidade da jogada! O Santos que ficaria com superioridade numérica, sofreu até o final da partida quando deixou escapar a vitória, cedendo o empate com gosto amargo. Nas disputa final por pênaltis, ainda teve que assistir ao gol eiro do São Paulo defender três cobranças e ficar sem o título.

Existe um processo de imbecilidade sofrida no futebol através dos retrógrados senhores da FIFA. Esse esporte de grande popularidade no mundo se vê esganiçado em seu grito de justiça; os torcedores por sua vez, assistem em silêncio aos maus tratos. A entidade reluta em aceitar a idéia de que as novas tecnologias podem ajudar a tornar o esporte menos injusto, e por isso mais atraente. Os erros de arbitragem que tanto tem influenciado nos resultados, e que assim pode comprometer o futuro do esporte no mundo, deixam o futebol com um jeito primitivo, pois o erro não é, e não será a essência do futebol, ou poderíamos mudar o nome para 'errobol'? Essa arrogância é uma questão histórica impregnada no comportamento humano. Sempre que a coisa está muito fácil aparece um preguiçoso e diz algo do tipo; "Essa questão é justamente a graça do futebol!", como se fosse um pecado tentar melhorar o que está dando 'certo'. O que deveria ser um entretenimento, um momento de lazer, passa a fazer mal aos nervos dos torcedores.

Outros esportes já estão considerando fortemente a utilização de ferramentas de apoio como, por exemplo, as imagens da tevê. O futebol por si só já é muito atraente e dinâmico, e o jogo está cada vez mais veloz; a arbitragem por sua vez, a cada dia mais refém dessa velocidade.

Teremos nós, que tanto apreciamos o futebol, ter que nos tornarmos imbecis também?! Ou será que é possível exercitar nossa liberdade e começar a apreciar outros esportes?!

 

 

Soslaio

 

"As mais incríveis criações do homem, intrigantemente são aquelas ligadas ao campo da inexistência. Impossível combater aquilo que não existe, pois como provar que uma coisa que não existe, não existe!"

 

(Texto de abertura do primeiro romance de Rogério Zaos, na seqüência, o primeiro parágrafo escrito desse trabalho, que posteriormente tornou-se o capítulo 29 do romance.) 

 

Tiros rompem o silêncio, cortam o ar como uma faca afiada. Após ficar perambulando por tantos anos sem um porto seguro, período este de total instabilidade na minha vida pessoal e profissional, depois de ser reprovado em várias entrevistas de emprego; eu, Lauro Iota, consegui aprovação no concurso para investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Após três longos meses na academia participando de treinamentos intensos, comecei a trabalhar de fato. Definida a minha situação, fui resignado a atuar no departamento de narcóticos, cuidando apenas de assuntos burocráticos. Sem a menor expectativa de sair às ruas, apesar de ter consciência de que isso será inevitável. Já estou achando tudo um grande saco, sem nenhuma resistência às minhas inquietações, continuo sendo o que sou.

 

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Tempestade

 

"Para o homem que deseja ter uma mulher confiável ao seu lado, só lhe resta uma maneira para ter a certeza que de fato a encontrou; desrespeitando-a!"

           

Após a imprevisibilidade do que acabara de ocorrer, Jazz pegou um guardanapo do serviço de bordo da aeronave em que está viajando, e anotou imprecisamente esse indiscreto aforismo. O que o levou a fazê-lo, foi o fato de ter presenciado o homem ao lado da sua poltrona a dizer impropérios ao pé-de-ouvido das aeromoças; uma a uma que passava, ele as chamava como a dizer algo importante. Mesmo contrariadas, após ouvir tais insolências, elas ficavam a distância com um olhar vazio e curioso sobre o impertinente homem. O certo, é que em determinado momento, esse homem levantou-se e passou boa parte da rápida viagem a conversar com uma dessas aeromoças. Ambos disparavam descuidadamente risadas faceiras com a intimidade dos amantes.

            Sem muito pensar sobre o que acabara de anotar, Jazz buscou no silêncio dos seus pensamentos, e escreveu suas possíveis justificativas no verso do mesmo guardanapo;    

 

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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Crônica - O primeiro dia


             Ele chegou com uma hora e meia de antecedência ao endereço, nem tanto por estar preocupado quanto ao compromisso, mas sim, quanto ao seu próprio bem estar; "ficar parado no trânsito de uma cidade como São Paulo não é fácil, duas horas a menos de sono ainda é melhor do que ficar alguns minutos a mais no trânsito", pensou satisfeito com a sua decisão.  Ainda assim ficou surpreso, pois mesmo às seis e trinta da manhã, não conseguiu na rua, nenhuma vaga próxima ao endereço. Tentou não se aborrecer, afinal; "chegar mais cedo não foi suficiente para obter um mínimo de conforto!"

            Ao adentrar a recepção do imponente edifício, ele foi informado por uma graciosa garota que teria que aguardar ali mesmo, até que alguém da empresa chegasse para autorizar a sua entrada até o escritório. Já havia ali umas sete ou oito pessoas prostradas em pé, conversando animadamente. 

            "Sem dúvida que fazem parte da mesma empresa!", pensou mexendo os lábios, enquanto demonstrava certa inquietação com as mãos. Cumprimentou a todos e se apresentou sem interromper a conversa que, por mera convenção social entre os pobres mortais nesse nosso país, tratava-se de futebol; "nada contra, mas será que não existe outro assunto mais interessante?". Ele conversou com um aqui, com outros dois ali, e tudo continuou girando em torno da bola. Enquanto isso, a única coisa a incomodá-lo era o seu 'intestino leviano', com constantes prevaricações digestivas; "sempre me deixa na mão nesses momentos de incertezas!".

            O calor já estava aumentando quando um dos seus três celulares tocou. Devo esclarecer que isso se tornou mais comum do que se imagina; pessoas com dois ou três aparelhos, sempre com uma desculpa mais inusitada do que a outra a fim de justificar os seus motivos. Assim, ele retirou-se para um canto do saguão do prédio e rapidamente atendeu a ligação do seu atual trabalho, emprego esse que ele ainda não pediu demissão, pois não sabe como serão as coisas na nova empresa. "Alias, sairei somente quando me pagarem! Bandidos!", pensou inconformado com os salários atrasados.

            Nesse instante de irritação, percebeu que não seria mais possível segurar a 'bronca'. Aproximou-se da recepção e perguntou discretamente se havia um banheiro próximo. Tentou demonstrar certa tranqüilidade e caminhou lentamente, porém, chegou a pensar que não daria mais tempo. Adentrou ao banheiro, e apesar de surpreender-se quanto à higiene do lugar, não se permitiu utilizá-lo sem antes dar um 'tapa'. Pendurou o paletó no registro de água e deu mais olhada. Pegou muitos pedaços de papel higiênico e limpou o vaso, depois fez o mesmo no chão, com muito pesar, afinal o tempo a cada instante mais exíguo. Forrou todo o acento do vaso sanitário e no momento em que se preparava para sentar, um dos celulares tocou. Ol hou no visor do aparelho e reconheceu que novamente era a mesma pessoa. Pensou em ignorar, mas para não despertar a desconfiança quanto a sua indisponibilidade, atendeu. Nesse momento as cólicas lhe causavam silêncio. Conversou rapidamente, após desligar, pode enfim arriar as calças. Antes de sentar-se o outro aparelho tocou, depois o outro e por fim, antes mesmo de conseguir encontrá-los por entre os bolsos, os aparelhos cessaram. Nesse instante sentiu um alívio inefável ao poder, enfim, sentar-se. Ficou olhando disfarçadamente para as paredes, contou os quadradinhos dos azulejos a sua frente, leu uma frase infame escrita na porta, e mais nada. Nada estava acontecendo, a vontade passou. Sem ter o que fazer... pegou um dos aparelhos e fez uma ligação.

            -- Alô! Mãe?! Tá tudo bem por aí?! Liguei só para dizer um oi!

sábado, 16 de janeiro de 2010

Romances

Soslaio

 

"As mais incríveis criações do homem, intrigantemente são aquelas ligadas ao campo da inexistência. Impossível combater aquilo que não existe, pois como provar que uma coisa que não existe, não existe!"

 

(Texto de abertura do primeiro romance de Rogério Zaos, na seqüência, o primeiro parágrafo escrito desse trabalho, que posteriormente tornou-se o capítulo 29 do romance.) 

 

Tiros rompem o silêncio, cortam o ar como uma faca afiada. Após ficar perambulando por tantos anos sem um porto seguro, período este de total instabilidade na minha vida pessoal e profissional, depois de ser reprovado em várias entrevistas de emprego; eu, Lauro Iota, consegui aprovação no concurso para investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Após três longos meses na academia participando de treinamentos intensos, comecei a trabalhar de fato. Definida a minha situação, fui resignado a atuar no departamento de narcóticos, cuidando apenas de assuntos burocráticos. Sem a menor expectativa de sair às ruas, apesar de ter consciência de que isso será inevitável. Já estou achando tudo um grande saco, sem nenhuma resistência às minhas inquietações, continuo sendo o que penso que sou.

 

Sumário do romance, capítulos e muito mais; clique no ícone ao lado - "Arquivo do blog - Soslaio". 

 

            Tempestade

 

"Para o homem que deseja ter uma mulher confiável ao seu lado, só lhe resta uma maneira para ter a certeza que de fato a encontrou; desrespeitando-a!"

           

Após a imprevisibilidade do que acabara de ocorrer, Jazz pegou um guardanapo do serviço de bordo da aeronave em que está viajando, e anotou imprecisamente esse indiscreto aforismo. O que o levou a fazê-lo, foi o fato de ter presenciado o homem ao lado da sua poltrona a dizer impropérios ao pé-de-ouvido das aeromoças; uma a uma que passava, ele as chamava como a dizer algo importante. Mesmo contrariadas, após ouvir tais insolências, elas ficavam a distância com um olhar vazio e curioso sobre o impertinente homem. O certo, é que em determinado momento, esse homem levantou-se e passou boa parte da rápida viagem a conversar com uma dessas aeromoças. Ambos disparavam descuidadamente risadas faceiras com a intimidade dos amantes.

            Sem muito pensar sobre o que acabara de anotar, Jazz buscou no silêncio dos seus pensamentos, e escreveu suas possíveis justificativas no verso do mesmo guardanapo;    

 

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Soslaio Cap. 01

Um pouco antes das sete da noite, um vento fraco cortava os meus pensamentos, o cansaço bateu forte durante o meu retorno de uma curta viagem que fiz à casa da avó da minha namorada, a Dalma. Um domingo chuvoso numa estrada escura e perigosa. Apesar de dirigir com cautela, ouvi por várias vezes a Dalma reclamando com um cuidado excessivo para com a velocidade desenvolvida pelo carro. Sonolento, comecei a pensar na vida instintivamente, me desliguei de tudo como quase sempre acontece, talvez por desejar chegar logo e parar de ouvir sua tagarelice. Sem perceber mais nada a minha volta, apenas segui adiante.

Fomos juntos até o interior de São Paulo, tudo às pressas, sua avó estava desenganada pelos médicos. Na volta, resolvi dar uma parada no ateliê de um amigo para quem faço um trabalho de colaborador sem nenhum vinculo financeiro ou trabalhista, a fim de pegar algo que não me lembro agora. Assim que passamos pela entrada da cidade, avisei a Dalma, que muito me censurou por achar perigoso e desnecessário tal parada, mas ainda assim fomos.

Nesse dia eu estava preocupado com a viagem a trabalho que estava marcada para o dia seguinte logo cedo. Pensei em desistir de dormir na casa da Dalma, mas mantive a ideia, e por isso insisti que deveria retirar coisas do ateliê.

A Dalma parecia pressentir que algo de ruim estava por acontecer, mas como eu iria saber, ela está sempre pressentindo coisas que nunca aconteciam!

As mulheres são sensitivas, eu sei! São mais ligadas aos acontecimentos do mundo natural e até do 'sobrenatural', se é que isso existe, do que os homens. Mas quem liga para isso? Elas erram mais do que acertam, mas quando acertam...!  

Um dia eu até acreditei nisso, de que as mulheres possuem certa divindade. Que nada! Se existe um verbo que não faz sentido nesse mundo, é o verbo possuir. Aqui, ninguém possui nada!  Mas o verbo existir me faz sentido, acho que no mundo existem muitas pedras, e na maioria das vezes, a pedra é o homem.

"O homem é um pedaço de concreto que respira!" -- gostei disso! "A mulher é nuvem... é sol... é vento!" -- acredito nisso!

Mas também, como dar atenção a essas maluquices, estão quase sempre pensando coisas sem motivos, cheias de medos excessivos, neuroses. Elas, de certa maneira, conseguem nos deixar malucos por quase nada. Mas a merda toda é que dessa vez ela tinha razão. Mesmo dizendo que não, tão assertivamente, eu decidi por continuar, e senti na pele o que é ficar refém de uma situação e não poder mudar o rumo dos fatos. Ela ainda insistiu por mais de duas vezes, pediu para que eu deixasse essa ideia de lado, que acordasse mais cedo na segunda-feira, que passasse no ateliê antes de ir para o aeroporto. Não consigo esquecer a exata maneira de como ela me falou, de como fora ríspida a fim de me intimidar, de me persuadir a desistir, mas nada adiantou. 

"Você sabe que não gosto de passar no ateliê de dia, pior ainda à noite! Esse lugar é muito feio, cheio de gente suspeita te medindo da cabeça aos pés! Fora as crianças abandonadas que circulam pelas ruas!" -- lembro-me dos seus gestos, do seu rosto e das mãos.   

Para piorar ainda mais a minha tolice, a leve chuva dificultava a visibilidade. Que tolice! Mas acontece que ela colocou tantos empecilhos com relação ao ateliê, por não ser meu, por achar que não deveria ter trabalhado de graça, então não seria nenhuma novidade ouvi-la dizer para eu não passar mais nesse lugar. Eu reforcei a importância e insisti dizendo que não iria demorar... que seria muito rápido, e que ela também teria que descer do carro a fim de não ficar sozinha, pois aí... sim... é que seria perigoso. Ela aquietou-se.

A merda é que ao chegar, parei o carro bem em frente à porta de entrada e demorei um pouco para achar o molho de chaves. Por incrível que possa parecer, as chaves não estavam no lugar de sempre, dentro do console do carro, e assim ao me abaixar não pude perceber nada de suspeito a minha volta. Fiquei parado de frente a porta principal de entrada do ateliê, fomos surpreendidos por dois moleques armados, ambos não tinham mais do que quinze anos de idade e estavam sob forte efeito de drogas. O que de fato aconteceu, foi que no dia anterior, com a intenção de organizar um pouco as coisas que estavam jogadas dentro do carro, eu peguei tudo que estava no console, inclusive as chaves, e sem muito perceber, coloquei uma parte das coisas dentro do porta-luva e outra parte no porta objetos ao lado da porta. Naquele exato mome nto em que precisei das chaves com agilidade, não me lembrava onde estava. Por algum motivo, as chaves que deveriam ter ficado por cima de tudo, não mais ali se encontravam, acabaram se misturando com outras coisas, e provavelmente por ser o que havia de mais pesado entre essas coisas, foram parar bem abaixo de tudo. Sempre tive o costume de chegar com as chaves nas mãos para evitar ficar distraído e ser pego de surpresa por algum bandido. Ao me abaixar para tentar encontrá-las, surgiu um moleque batendo forte no carro com um ferro, era um som muito estridente e parecia que conseguiria estilhaçar o vidro da porta. Infelizmente, esse som estridente era de um revólver, e então fiquei petrificado. Antes que pudesse me levantar e perceber exatamente o que estava acontecendo, intuitivamente decidi que seria melhor não me mexer bruscamente.

Apavorado, abri a porta do carro e os assaltantes me forçaram a ir para o banco de trás. Gritos intermitentes para que eu entregasse rapidamente a chave do carro, enquanto a arma continuou apontada para a minha cabeça, os gritos não cessaram. No momento de maior desespero eu esqueci que tinha acabado de colocar as chaves por entre as pernas, e que na seqüência acabaram caindo no assoalho do carro, e no exato momento em que passei para o banco de trás é que perdi a noção de tudo. Nada havia percebido desses detalhes.

Por pouco não levei um tiro nos miolos, acharam que eu estava mentindo, de repente tudo ficou sem uma lógica aparente.  Eu estava muito surpreso com tudo, eles não passavam de duas crianças com uma arma na mão, porém, de uma eloqüência sem proporções.

Somente na riqueza o mal é inerente, na pobreza, a necessidade de sobrevivência acaba por chegar antes.