No restaurante
G.Néscio estava em seu quarto dia de treinamento na nova empresa. No primeiro dia saiu para almoçar em comboio com a nova turma, afinal ninguém conhecia muito bem a região e sair para almoçar sozinho iria parecer como descaso, o antipático. O problema é que a turma ficou viciada, por simples comodismo, em almoçar num pequeno restaurante a dois quarteirões do prédio, a comida fria servida em pratos de plástico o desagrada, e isso G.Néscio não pode mais tolerar. Para tanto, a fim de se livrar dessa infeliz empreitada, ele teria que se desgarrar da turma, o que certamente lhe causaria algum problema quanto a sua imagem individualista. Decidiu que algo deveria ser feito, e passou o restante da manhã sem prestar muita atenção a palestra, pensando em uma boa desculpa.
Assim que chegou o horário do almoço, a turma toda alvoroçada começou a sair da sala aos trancos e barrancos, todos com pensando somente no almoço sem prestar atenção em outras questões. G.Néscio ficou entre os últimos e avisou a um amigo que provavelmente não daria tempo de almoçar, pois teria que ir até o banco, e assim o fez caminhando em direção contrária ao grupo. Afoito para se manter em segredo, assim que virou o quarteirão, ele parou num ponto de táxi e perguntou sobre algum restaurante próximo e de boa qualidade, de preferência com comida servida direto da panela, bem quentinha.
Andou mais dois quarteirões e encontrou o simpático botequinho de nome ínfimo: Bom Sabor. Adentrou ao lugar tranqüilamente, feliz por perceber que enfim poderá apreciar uma boa comida. Puxou uma cadeira e se sentou a observar as pessoas. Rapidamente foi atendido e pediu um comercial com salada. Não demorou muito tempo e a comida chegou a sua mesa esfumaçando. Começou a comer a salada distraidamente quando uma sensação quase indescritível tomou o seu corpo de assalto. G.Néscio teve a sensação de que sua percepção de mundo subitamente mudou de tamanho; a cadeira ficou pequena, a mesa diminuiu tanto que pensou que não haveria mais espaço para ele e a comida. As paredes do boteco começaram a se afastar, o som das pessoas conversando e dos carros passando na rua ficaram tão distantes que para ouvir algo ele apertava os olhos como se isso pudesse aumentar o tamanho dos ouvidos. Ele estava zonzo, o cheiro da comida lhe escapou, sentiu sede, mas como não havia pedido nada para beber e assim permaneceu inquieto e confuso. Não tinha como fazer nenhum pedido a garçonete, sua voz não saia. Os olhos lacrimejaram enquanto a fumaça da comida lhe invadia os pensamentos. Tentava respirar e mal conseguia. Tentava espirrar, mas a boca estava travada. Quando já estava pensando que seria o dia de sua morte e que assim não haveria mais nada a fazer, sentiu algo irritando suas narinas. Ao tentar coçar sentiu que algo pedia insistentemente para sair, então, sem nenhuma consciência sobre etiqueta, G.Néscio enfiou o dedo no nariz e tirou um filete de cenoura com o comprimento de um dedo a sair feito um verme hospedeiro, invasor.
Ao olhar para os lados percebeu que ninguém estava preocupado senão com a própria fome. G.Néscio respirou fundo pelo alívio concedido e começou a rir irrefreadamente, pensando "como algo tão inacreditável pode acontecer assim?". Sua voracidade houvera de ser tamanha que ao colocar na boca um punhado de salada, conseguiu o feito inédito de regurgitar a cenoura pela própria narina, sensação inigualável.
Após se recompor ele conteve o ímpeto e comeu pausadamente a comida que já não estava mais tão quente e nem tão saborosa. Assim que terminou de comer, a garçonete se aproximou para retirar o prato da mesa e lhe perguntou "O senhor aceita uma sobremesa? É cortesia da casa!".
"Aceito sim! O que a senhorita tem!"
"Bolo de cenoura!"
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